PALAVRAS DE UMA CRIANÇA
QUE NÃO NASCEU PARA SUA MÃE
Ontem foi meu aniversário.
Ia completar um mês de idade. Pensei que você fosse me dar uma festinha, como todas as mães fazem para seus filhos.Com muito balão, sorrisos, tios e tias, vovô e vovó. Todo mundo muito orgulhoso com o novo membro da família.
Pensei que eu ganharia do papai um beijo, igual ao que eu gostaria de dar nele. Que poderia sentir seu afago, sua voz rouca e mansa e perceber toda sua alegria ao passar a mão no ventre , mamãe.
Porém, a festinha não foi como esperava. De fato você foi ‘a farmácia e comprou meu presente. Pena que não era este o presente que eu esperava. Ele não fazia barulhinho e nem tinha nada daquelas cores vivas das roupinhas infantis, menos ainda a fofura de um urso de pelúcia. Era de uma cor pálida, fria, sem vida e de uma forma que em nada prometia de alegria. Pena que este presente tenha me tirado a chance de viver.
E você não chorou nem um pouquinho! Por quê, mãe? Por quê logo no dia do meu aniversário? Pensei que fosse ficar feliz com minha chegada! Mas, você não deixou eu caminhar nem a metade... barrou meu caminho. Impediu que eu fosse uma possibilidade. Não permitiu que eu fosse uma expressão de sorriso, um gesto de alegria... Por quê, mãe? Que culpa tenho eu? Que fiz para merecer isto? Que transtorno pude ser capaz de produzir ? Qual foi meu pecado? Por quê, mãe? Por quê, mãe, buscou sujar suas entranhas com algo tão negro, tão sem forma em troca deste ser pequeno, inocente, e com tanta vontade de viver e ser motivo de alegria? Que fiz para ser palco de uma ação homicida? De um juízo tão sem alma ?
Quão grande é minha dor de saber que foram suas mãos que despojaram a vinha fecunda. Em quê, mãe, a glória da esterilidade pode superar o sublime de ser mãe? Todo vazio e aridez de seus olhos se espelham em cada lágrima que minh´alma derrama; e, meu pranto ganha furor por não saber o porquê, mãe.
Eu sabia que, uns meses depois, iria estragar sua elegância. Porém, havia prometido a mim mesmo que, ficaria bem apertadinho, para não prejudicá-la. Eu deixaria para crescer depois que nascesse para o mundo. Eu e você dividíamos um mesmo lugar no mundo. Eu estava feliz junto, bem juntinho de você. Mas prometera que não ficaria muito aqui para não perturbar você e, mais, na doce vã esperança de pensar que seria brindado com muita festa. Por quê, mãe?
Eu estava ansioso para descobrir a luz do lado de fora. Eu ia conhecer o brilho do sol e das estrelas e, principalmente, conhecer o papai e você, mamãe. Sabia que teria de ficar mudo durante alguns meses, até aprender a falar e poder dizer-lhe o tamanho de minha felicidade em tê-la como mãe.
Olhe, nós conversaríamos muito! Quando estivesse triste, faria de tudo para fazer voltar em seus lábios um sorriso. E quando estivesse alegre, faria de tudo para que essa sua alegria fosse eterna.
Sabe, eu planejei tanta coisa! Que queria crescer para plantar no chão de minha existência muitas rosas, para que o perfume delas inibisse essa vontade do homem de achar-se capaz de fabricar e destruir a vida. E então, eu insisto em perguntar : por quê, mãe?
Engraçado, eu pensei que os pais amassem tanto seus filhos, que seriam capazes de dar a própria vida por eles. Porém, você não me deixou viver a vida que mal começara.
Por quê, mãe? Não merecia seu amor? Não merecia dividir com você as alegrias e tristezas? Achou que eu não seria capaz de suportar toda a lida e pena? Por quê fez tão pouco caso de mim?
Por causa disso, todos os planos e sonhos que eu tinha desvaneceram-se. Faço parte do mundo daqueles que nunca falarão da luz, nunca falarão da beleza do amor, nunca sentirão o perfume da rosa e nem o calor do sol. Pior, nunca saberão o sabor de uma lágrima, nunca saberão o calor de um abraço, nunca poderão dizer sobre o cabelo branco do pai, ou mesmo, nunca saberão dizer da zanga preocupada dos pais. Você, mãe, impediu-me tudo isso. Você, mãe, fechou-me todas as portas. Você, mãe, proibiu-me o mundo, cortou minha possibilidade de ser. Por quê, mãe?
Espero que estas minhas palavras tenham chegado ao seu coração e servido para você pensar no que fez, para que não o faça de novo com meus irmãozinhos que estão por vir. E, sabe mãe? Eu estarei em cada um deles. Você me verá em cada um deles. Isto, mãe, eu não posso impedir. Quisera poder ter este poder de fazê-la esquecer seu gesto. Todo meu amor por você não é suficiente para desmanchar a história que você construiu. Lamento que seja uma página de pedra grafada a fogo. Pudera todo amor que tenho por você fosse suficiente para apagar de sua memória sua opção de hoje.
Tchau, mãezinha...
E tenha certeza de que, apesar de tudo, eu a perdôo e amo muito.
Adaptação feita pelo professor Dely Américo Araújo do texto publicado na revista Pais e Filhos – agosto 1999)
terça-feira, 20 de abril de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário